A inteligência
artificial (IA) é um ramo da engenharia que
simula os processos de inteligência humana
por máquinas, permitindo que os computadores
realizem atividades que, normalmente, exigem
a inteligência humana. A IA desenvolve
sistemas capazes de resolver problemas
utilizando algoritmos que analisam grandes
volumes de dados. O espectro da IA inclui o
reconhecimento de padrões, tomada de
decisão, aprendizado a partir dos dados,
aprendizado de máquina, além do
processamento de linguagem natural [1]. Nos
últimos anos, a IA tem transformado diversos
setores, desde a automação industrial até o
desenvolvimento de medicamentos [2].
Nas áreas da
saúde e medicina, a IA vem sendo utilizada
para aprimorar diagnósticos, prever o risco
de doenças e até mesmo, ajudar no
desenvolvimento de novas terapias, tendo
potencial para promover uma medicina
personalizada e mais eficiente. Os
algoritmos podem analisar grandes volumes de
dados clínicos com velocidade e precisão,
automatizar a avaliação do paciente e
otimizar os diagnósticos clínicos,
auxiliando o delineamento do plano de
tratamento. Essa aplicabilidade abre novas
fronteiras no manejo de condições de saúde
complexas, entre elas a dor crônica, cuja
natureza multifatorial torna o tratamento
desafiador [3]. A IA pode auxiliar no
diagnóstico, na personalização de
tratamentos e monitorização dos sintomas
associados às condições dolorosas.
A dor crônica,
caracterizada pela persistência da dor após
o tempo esperado para cura ou cicatrização,
é uma condição que afeta o bem-estar, a
saúde e as relações sociais do indivíduo.
Dor crônica é associada a problemas
emocionais, maior prevalência de depressão e
ansiedade, além da redução da capacidade
produtiva [4]. Devido a sua complexidade, as
classes farmacológicas disponíveis para o
tratamento, como os gabapentinoides e
antidepressivos, possuem com frequência
baixa eficácia analgésica e a indução de
muitos efeitos colaterais indesejados [5,
6]. As falhas terapêuticas podem refletir
também dificuldades de diagnóstico preciso.
De fato, em função da natureza multifatorial,
o diagnóstico da dor crônica é um desafio
clínico. Muitas vezes, os sintomas são
subjetivos e variam entre os pacientes, o
que dificulta a identificação precisa das
causas que levaram à dor. Além disso,
condições dolorosas podem coexistir com
outras doenças, dificultando o diagnóstico.
Diante das lacunas no diagnóstico e
tratamento, novas abordagens para o manejo
da dor são necessárias, e nesse contexto a
inteligência artificial surge como uma
aliada promissora, com potencial para
transformar a forma de entendimento,
diagnóstico e tratamento da dor.
Uma revisão
sistemática publicada em março de 2024
analisou diversos tipos de estudos, como
estudos observacionais, de coorte,
caso-controle e revisões sistemáticas,
envolvendo o uso da IA para avaliação
subjetiva da dor. Este estudo concluiu que a
IA pode usar expressões faciais, sons
vocais, relatos, marcadores fisiológicos e
registros médicos para criar algoritmos e
entender melhor a dor, avaliar mudanças e
delinear tratamentos personalizados em
várias condições, como dor crônica. Essa
metodologia foi capaz de detectar
automaticamente a dor com sucesso e
precisão. Além disso, o processamento de
linguagem natural - interação entre a
linguagem humana e os computadores -
demonstrou ser eficaz na avaliação da dor e
na triagem do paciente, como também, na
avaliação da intensidade, localização e
duração da dor [7].
Também tem
sido proposto que a neuromodulação a partir
de interfaces cérebro-computador envolvendo
IA possui potencial de restaurar funções em
pacientes com lesões da medula espinhal e
dor crônica associada, e pode, além de
diminuir a dor, restaurar déficits motores.
Nesse sentido, a IA interpreta os padrões da
atividade cerebral para identificar
assinaturas neurais da dor e quantificar a
sua intensidade, fornece informações
atualizadas sobre os sinais ou percepção da
dor e aprimora o feedback para uma
intervenção individualizada ao paciente [8,
9].
A utilização
de aplicativos baseados em IA também tem
sido considerada estratégia útil na clínica
da dor. O aplicativo PainCheck utiliza IA e
reconhecimento facial para avaliar a dor
remotamente por meio de indicadores de dor,
como movimentos musculares faciais, e
considera também fatores comportamentais
fornecidos pelo paciente ou por seus
cuidadores. O sistema calcula uma pontuação
geral e alimenta os sistemas de
gerenciamento da dor. Os resultados desse
aplicativo podem ser significativos, além de
serem uma ajuda para pacientes não verbais
[10]. O aplicativo selfBACK desenvolvido por
pesquisadores permite a elaboração de planos
semanais de autogerenciamento da dor,
incentivando a atividade física, como os
exercícios de força e flexibilidade para
pacientes com dor lombar [11]. No mesmo
seguimento, Lo e colegas avaliaram os
impactos do uso de um aplicativo de celular
com IA para fornecer um programa
personalizado de exercícios terapêuticos
para pacientes com dor crônica nas costas e
pescoço [12]. Foi observado um aumento no
tempo gasto em exercícios terapêuticos por
dia, redução da intensidade da dor e redução
no uso de outras intervenções pelos
participantes que usaram o aplicativo móvel
com IA por mais de 6 meses. A tecnologia das
casas inteligentes também está incluída no
escopo da IA, e pode detectar, observar e
reconhecer comportamentos relacionados à dor
no ambiente doméstico. Um estudo publicado
em 2023 demonstrou que a tecnologia da casa
inteligente pode ser utilizada durante a
noite para detectar dor, distúrbios do sono
e sintomas de abstinência de opioides [13].
A avaliação
padrão e precisa dos algoritmos da IA no
manejo da dor permite a análise de conjuntos
de dados em larga escala, o que permite a
identificação de padrões que podem levar a
conclusões importantes sobre os mecanismos
da dor, fatores de risco e eficácia do
tratamento. Além disso, a IA possui outras
vantagens, como avaliação mais objetiva da
dor e da eficácia terapêutica, economia de
tempo, uma abordagem personalizada e
detecção precoce para intervenção
preventiva. No entanto, as considerações
éticas podem limitar o uso desta tecnologia,
visto que, à medida que a IA se integra nos
serviços de saúde, é necessário garantir
privacidade e segurança dos dados dos
pacientes [7]. Nesse sentido, a Organização
das Nações Unidas (OMS) destaca a
importância de aplicar princípios éticos,
para proteger a autonomia, promover
bem-estar e promover a IA responsiva e
sustentável [14]. Outra possível limitação é
o risco de vieses associados aos algoritmos
da IA, que podem gerar avaliações de dor
imprecisas e tomadas de decisões erradas,
sendo fundamental a inclusão de análises de
potenciais erros e imprecisões.
A natureza
complexa da dor é um dos maiores desafios
para a terapêutica atual, visto que ela é
subjetiva e influenciada por vários fatores
não apenas físicos, mas também emocionais,
psicológicos e culturais, além de
perspectivas pessoais. Nesse contexto, a
inteligência artificial representa uma
abordagem potencialmente útil no manejo da
dor, disponibilizando novas ferramentas para
compressão da dor, diagnóstico, proposição
de tratamentos e monitorização contínua,
abrindo caminho para uma medicina
personalizada e eficaz. Entretanto, é
importante ressaltar que a IA é um campo em
desenvolvimento, sendo os modelos
continuamente aperfeiçoados para aprender a
partir dos novos dados, a fim de melhorar
sua precisão e desempenho, e aumentar a
eficácia e a confiabilidade dos sistemas de
avaliação da dor baseados em IA [1, 7]. Além
disso, é fundamental a compreensão de que
essa tecnologia deve ser utilizada como um
complemento aos profissionais, e não como
substituto, preservando o equilíbrio entre o
homem e a máquina.
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* Aluna de
mestrado - UFBA