A dor
pós-operatória é uma experiência vivida por
pacientes submetidos a procedimentos
cirúrgicos, ocorre de forma comum e em
alguns casos pode ser debilitante.
Acredita-se que a maioria dos pacientes que
passam por algum tipo de intervenção
cirúrgica sinta dor pós-operatória em nível
moderado a intenso, impactando negativamente
em sua recuperação e qualidade de vida1. É
desencadeada por uma lesão tecidual durante
a intervenção cirúrgica, resultando numa
cascata de respostas inflamatórias,
neuroquímicas e neurofisiológicas que
contribuem para a sensibilização e ativação
dos nociceptores. Por isso, o manejo da dor
no contexto perioperatório é fundamental
para otimizar os resultados cirúrgicos e
reduzir complicações 2.
Historicamente, o controle da dor
pós-operatória tem sido baseado no uso de
analgésicos opioides que são eficazes no
alívio da dor. O uso deve ser feito com
atenção, pois há possibilidade de ocorrência
de efeitos indesejados, como sedação,
constipação, náusea, vômito e risco de
dependência3.
Nos Estados
Unidos, a Joint Commission International (JCI)4
em 2012 incentivou os hospitais a revisarem
suas práticas relacionadas ao uso de
opioides. A criação e implementação de
políticas e procedimentos para monitorar os
pacientes devem incluir avaliações
sistematizadas e personalizadas conforme as
necessidades de cada um. Além disso, é
essencial educar a equipe sobre a avaliação
dos pacientes que utilizam opioides e o
planejamento de cuidados individualizados.
No Brasil, o
Comitê de Implementação do Programa Nacional
de Segurança do Paciente (CIPNSP)
institucionalizado pela Portaria MS/GM nº
529/2013 incentiva a criação de protocolos,
guias e manuais para áreas assistenciais,
como procedimentos cirúrgicos,
anestesiologia, prescrição, transcrição,
dispensação e administração de medicamentos,
processos de identificação de pacientes e
uso seguro de equipamentos e materiais 5.
Outros autores
reforçam as medidas de segurança, destacando
a necessidade da padronização de protocolos,
além de cuidados a serem realizados por
parte da equipe de enfermagem 6,7. A
implementação de uma abordagem sistematizada
no manejo da dor pós-operatória é essencial
para oferecer cuidados personalizados e
completos aos pacientes, pois possibilita a
aplicação de estratégias seguras que
consideram diversos aspectos do tratamento
da dor 8.
Dentre os
efeitos associados ao uso de opioides, o
mais grave é a depressão respiratória. É
considerado um evento adverso, geralmente
precedido de sedação excessiva. É uma
complicação que geralmente ocorre
acompanhada de outros sinais de depressão do
sistema nervoso central. Assim, a sedação
profunda é considerada um sinal preditor da
depressão respiratória9.
A sedação pode
ocorrer a qualquer momento durante o uso de
opioides, mas acontece de forma mais
frequente no início da terapia e nos ajustes
de dose. Vale destacar que o risco de
depressão respiratória aumenta
progressivamente conforme a dose
administrada, sinais iniciais podem ser
identificados antes que a grave complicação
ocorra, possibilitando intervenções
precocemente 10.
Devido a
gravidade desse evento é fundamental que os
profissionais de saúde possam intervir
rapidamente e assegurar a segurança do
paciente. Dentre a equipe de saúde, as ações
do enfermeiro englobam a avaliação do nível
de dor, administração do medicamento,
monitoramento constante do paciente e
reconhecimento dos sinais preditores para
depressão respiratória 11.
O enfermeiro
tem a responsabilidade de aplicar medidas de
segurança para prevenir os efeitos adversos
decorrentes do uso de opioides. Para
garantir a segurança do paciente é
fundamental que o enfermeiro possa conhecer
as propriedades farmacológicas dos opioides
pois isso favorece o manejo clínico,
identificar os fatores de risco dos
pacientes que possuem maiores chances de
desenvolver complicações, monitorização com
uso de tecnologias adequadas e aplicação de
escalas de avaliação da sedação12.
A revisão de
escopo realizada por Motta et al., descreve
os cuidados de enfermagem para controle de
dor com uso de opioides sob Analgesia
Controlada (ACP) e destaca os seguintes
princípios para garantir a segurança do
paciente: educação do paciente e de
cuidadores, uso de escalas padronizadas para
avaliar a dor e prevenir efeitos adversos, e
monitoramento de sinais vitais com atenção
aos sinais de depressão respiratória13.
No âmbito da
prevenção, recomenda-se o uso de ferramentas
de avaliação para prevenir eventos adversos
relacionados ao uso de opioides14. É
fundamental avaliar o nível de sedação, pois
a sedação precede a depressão respiratória,
oferecendo uma oportunidade de intervenção.
A avaliação deve ocorrer por meio de escalas
padronizadas como a Escala de Sedação Ramsay,
Escala de Sedação Induzida por Opioide de
Pasero-McCaffery, ou a Escala de Agitação e
Sedação de Richmond (RASS) 11,14, 15,16.
O escore para
avaliação do nível de sedação mais utilizado
foi proposto por Ramsay et al em 1974, e
baseia-se em critérios clínicos para
classificar o nível de sedação, seguindo a
numeração de 1 a 6 para graduar de
ansiedade, agitação ou ambas, até coma
irresponsivo17. O escore de sedação de
Richmond, revisado e validado para pacientes
graves, apresenta como vantagem sobre a
escala de Ramsay a graduação do nível de
agitação e ansiedade18.
Um estudo
sobre a validação de escalas de sedação e
agitação em português indicou que, embora a
Escala de Sedação Ramsay seja amplamente
utilizada, ela apresenta mais limitações
quando comparada à Escala de Agitação e
Sedação de Richmond. Isso pode ocorrer
porque os itens de avaliação da escala de
Ramsay podem gerar incertezas durante a
avaliação. Em contrapartida, a Escala de
Agitação e Sedação de Richmond diferencia
sistematicamente os itens avaliados,
facilitando a aplicação pelo avaliador19.
A existência
de uma tradução validada para o português do
Brasil permite a adoção dessas escalas na
avaliação da sedação como efeito adverso do
uso de opioides e pode ser aplicada pela
equipe de enfermagem13. Como é o caso da
Escala de Sedação Induzida por Opioide de
Pasero-McCaffery que em março de 2024 foi
publicada sua versão Brasileira, após estudo
metodológico de adaptação transcultural 20.
A Pasero
Opioid-induced Sedation Scale (POSS) foi
criada nos Estados Unidos pela enfermeira
Chris Pasero, fundadora e ex-presidente da
Sociedade Americana de Controle da Dor, com
o objetivo de proporcionar cuidados de alta
qualidade para pacientes hospitalizados que
sofrem de dor. Essa escala tem sido
utilizada em vários hospitais americanos em
contextos clínicos, cirúrgicos, de terapia
intensiva, oncológicos e pediátricos,
aumentando a confiança dos enfermeiros na
administração de opioides e ajudando a
evitar superdosagens21.
No contexto
assistencial, enfermeiros poderão empregar a
escala POSS adaptada para o Brasil, visando
aumentar a segurança dos pacientes que
utilizam opioides. Isso ajudará a otimizar
as abordagens terapêuticas para o manejo da
dor em instituições de saúde, prevenindo
eventos adversos graves20.
É fundamental
a adaptação transcultural para aplicação na
população brasileira considerando suas
necessidades e diferenças. A POSS possui o
diferencial de contribuir para a tomada de
decisão do enfermeiro diante dos pacientes
com risco de sedação e depressão
respiratória em uso de opioides no cenário
hospitalar, pois descreve as ações de
enfermagem para cada nível de sedação20.
Com o aumento
da conscientização sobre os problemas
relacionados aos opioides, há um esforço
significativo para desenvolver métodos mais
seguros e eficazes para o manejo da dor
pós-operatória3. Assim, é fundamental
implementar a avaliação do paciente por meio
de escalas padronizadas que incluem a
observação de reações adversas associadas ao
sistema respiratório, especialmente a
depressão respiratória e sedação.
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* Aluna de
doutorado - UnB - disciplina da
Pós-Graduação