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Editorial do mês

 

 

Quando a dor não fala: o reconhecimento da dor em idosos com demência
Ana Carolina Lucchese Velozo *

 

O envelhecimento é um processo fisiológico que acarreta inúmeras mudanças no organismo e impacta diretamente no desempenho de funções cognitivas, psicológicas, sensoriais e biológicas que interferem na qualidade de vida do indivíduo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) uma pessoa é considerada idosa a partir dos 60 anos ou mais. No Brasil, este grupo ocupa cerca de 13% da população, com a tendência de aumentar drasticamente nos próximos anos [1].

 

Os avanços tecnológicos e científicos na saúde contribuem diretamente para a melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, no aumento da longevidade. Devido ao crescente número de idosos na população mundial, houve também, um aumento na prevalência de agravos associados a esta faixa etária, como doenças crônicas e incapacidades funcionais. Entre essas doenças, a demência é particularmente preocupante, afetando cerca de 8,5% dos idosos no Brasil. Atualmente, estima-se que cerca de 2 milhões de pessoas no país vivam com demência, sendo a maior parte dos casos em estágio moderado ou avançado [1-3]. A demência engloba uma série de síndromes que são caracterizadas por uma doença neurodegenerativa que promove alterações na cognição, memória e no comportamento do indivíduo. Ela é considerada uma doença de curso lento e progressivo, apresentando sintomas como perda de memória, confusão, estresse, depressão, problemas na fala e redução da autonomia. Conforme a doença avança, há uma diminuição exponencial das funções cognitivas, o que compromete a capacidade do indivíduo de reconhecer e comunicar a dor de forma coerente, dificultando o seu manejo nesse grupo, visto que o padrão ouro para a identificação da dor é o autorrelato [1-6].

 

Considera-se que, mais da metade dos pacientes com demência, experienciam dor regularmente. Entretanto, seu reconhecimento e tratamento são frequentemente prejudicados pela dificuldade de comunicação desses indivíduos e pela falta de treinamento e conhecimento dos cuidadores e familiares acerca da maneira correta de realizar essa tarefa. O tratamento inadequado da dor, está associado a um maior declínio da memória, dificuldades no sono, perda de apetite e delírio, os quais podem contribuir negativamente para o avanço da demência e da qualidade de vida desses idosos [6]. Para proporcionar um manejo analgésico adequado nas pessoas com demência, é fundamental que os responsáveis pelos cuidados, sejam familiares ou profissionais de saúde, tenham um olhar atento e diferenciado para possíveis sinais de dor.

 

Diferentes abordagens podem ser utilizadas para reconhecer sinais e sintomas da dor nesse grupo de pacientes. A utilização de escalas de dor, que levam em consideração mudanças no comportamento e na expressão facial, se constitui como uma grande aliada no reconhecimento e rastreamento da dor em pessoas no estágio da demência nos quais a verbalização está prejudicada. O estreitamento do olhar, abertura da boca, verbalização de gemidos, recusa em se movimentar, postura curvada e modificações nas interações sociais, bem como o acompanhamento de alterações de sinais vitais como, temperatura, pressão, frequência respiratória e cardíaca também são bons indicadores [6-12].

 

A Escala de Avaliação de Dor na Demência Avançada (PAINAD), é uma ferramenta bastante consolidada que se baseia na observação do indivíduo, avaliando cinco parâmetros: respiração, vocalização negativa, expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade [7,9,11]. Cada item recebe uma pontuação entre 0 e 2, no qual o 0 indica que não há alteração, o 1, o indivíduo demonstra uma alteração moderada ou esporádica e o 2 uma alteração grave e intensa [13]. Ao final, a pontuação é somada com o objetivo de classificar a dor entre inexistente, leve, moderada ou forte [7,8,13]. Devido ao seu design simplificado e objetivo, essa escala pode ser facilmente aplicada tanto por cuidadores quanto por familiares que não possuem um treinamento especializado, facilitando o manejo da dor.

 

Na última década, diversas escalas e instrumentos foram desenvolvidos com a finalidade de reconhecer e rastrear a dor em pessoas com demência. No entretanto, sua aplicação ainda é limitada, seja pela falta de conhecimento e de treinamento dos profissionais e cuidadores, seja pela complexidade de uso desses métodos, fazendo com que essa combinação de fatores dificulte sua utilização de forma efetiva. Embora, reconhecer a dor em pessoas vivendo com demência possa parecer uma tarefa difícil e trabalhosa, seu rastreamento é essencial para proporcionar um tratamento adequado e uma melhor qualidade de vida para estes indivíduos.

 

Referências:

[1] Fernando N, Silva D. Considerações sobre o envelhecimento, as demências e as estimulações cognitivas. Rev Saude Meio Ambient. 2021;2(8):152-163.

[2] Rodrigues LC, Mascarenhas KS, Silva CA. Cuidados paliativos no paciente com demência avançada: uma revisão narrativa.

[3] Ministério da Saúde. Relatório Nacional sobre a Demência estima que cerca de 8,5% da população idosa convive com a doença. Gov.br. Atualizado em set 21, 2024. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/relatorio-nacional-sobre-a-demencia-estima-que-cerca-de-8-5-da-populacao-idosa-convive-com-a-doenca

[4] Achterberg W, Lautenbacher S, Husebo B, Erdal A, Herr K. Schmerz bei Demenz [Pain in dementia]. Schmerz. 2021;35(2):130-138. doi:10.1007/s00482-020-00501-w.

[5] Guedes AS, Resende CLBC, Couto LD, Cardoso GN. A importância dos cuidados paliativos em pacientes com demência. Recima21. 2022; 12(3):52-58. doi: 10.47820/recima21.v5i6.5324

[6] Piirainen J, Bellas M. The Challenges of pain assessment in dementia patients. Degree Thesis. Arcada University of Applied Sciences, helsinki; 2024.

[7] McLennan AIG, Castillo LIR, Hadjistavropoulos T. Pain in Dementia: An Empirical Test of a Common Assumption. J Pain. 2024;25(10):104605. doi:10.1016/j.jpain.2024.104605

[8] Kodagoda Gamage MW, Pu L, Todorovic M, Moyle W. Nurses' Beliefs About Pain Assessment in Dementia: A Qualitative Study Informed by the Theory of Planned Behaviour. J Clin Nurs. 2024;33(12):4795-4808. doi:10.1111/jocn.17417

[9] Hadjistavropoulos T, Herr K, Prkachin KM, et al. Pain assessment in elderly adults with dementia. Lancet Neurol. 2014;13(12):1216-1227. doi:10.1016/S1474-4422(14)70103-6

[10] Cravello L, Di Santo S, Varrassi G, et al. Chronic Pain in the Elderly with Cognitive Decline: A Narrative Review. Pain Ther. 2019;8(1):53-65. doi:10.1007/s40122-019-0111-7

[11] Lautenbacher S, Kunz M. Facial Pain Expression in Dementia: A Review of the Experimental and Clinical Evidence. Curr Alzheimer Res. 2017;14(5):501-505. doi:10.2174/1567205013666160603010455

[12] Minaya-Freire A, Ramon-Aribau A, Pou-Pujol G, Fajula-Bonet M, Subirana-Casacuberta M. Facilitators, Barriers, and Solutions in Pain Management for Older Adults with Dementia. Pain Manag Nurs. 2020;21(6):495-501. doi:10.1016/j.pmn.2020.03.003

[13] Dunford E, West E, Sampson EL. Psychometric evaluation of the Pain Assessment in Advanced Dementia scale in an acute general hospital setting. Int J Geriatr Psychiatry. 2022;37(12):10.1002/gps.5830. doi:10.1002/gps.5830


* Aluna de graduação – iniciação científica/extensão UFBA