DOL - Dor On Line

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP

Universidade de Brasília - Campus de Ceilândia
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP
Faculdade de Farmácia - Universidade Federal da Bahia

Principal    |    Editoriais    |    Edições    |    Sobre a Dor    |    Glossário    |    Projeto DOL    |    Publicações    |    Contato

   
 

Editorial do mês

 

 

Inteligência artificial no manejo da dor
Thalita da Cruz Monteiro Santana *

 

A inteligência artificial (IA) é um ramo da engenharia que simula os processos de inteligência humana por máquinas, permitindo que os computadores realizem atividades que, normalmente, exigem a inteligência humana. A IA desenvolve sistemas capazes de resolver problemas utilizando algoritmos que analisam grandes volumes de dados. O espectro da IA inclui o reconhecimento de padrões, tomada de decisão, aprendizado a partir dos dados, aprendizado de máquina, além do processamento de linguagem natural [1]. Nos últimos anos, a IA tem transformado diversos setores, desde a automação industrial até o desenvolvimento de medicamentos [2].

 

Nas áreas da saúde e medicina, a IA vem sendo utilizada para aprimorar diagnósticos, prever o risco de doenças e até mesmo, ajudar no desenvolvimento de novas terapias, tendo potencial para promover uma medicina personalizada e mais eficiente. Os algoritmos podem analisar grandes volumes de dados clínicos com velocidade e precisão, automatizar a avaliação do paciente e otimizar os diagnósticos clínicos, auxiliando o delineamento do plano de tratamento. Essa aplicabilidade abre novas fronteiras no manejo de condições de saúde complexas, entre elas a dor crônica, cuja natureza multifatorial torna o tratamento desafiador [3]. A IA pode auxiliar no diagnóstico, na personalização de tratamentos e monitorização dos sintomas associados às condições dolorosas.

 

A dor crônica, caracterizada pela persistência da dor após o tempo esperado para cura ou cicatrização, é uma condição que afeta o bem-estar, a saúde e as relações sociais do indivíduo. Dor crônica é associada a problemas emocionais, maior prevalência de depressão e ansiedade, além da redução da capacidade produtiva [4]. Devido a sua complexidade, as classes farmacológicas disponíveis para o tratamento, como os gabapentinoides e antidepressivos, possuem com frequência baixa eficácia analgésica e a indução de muitos efeitos colaterais indesejados [5, 6]. As falhas terapêuticas podem refletir também dificuldades de diagnóstico preciso. De fato, em função da natureza multifatorial, o diagnóstico da dor crônica é um desafio clínico. Muitas vezes, os sintomas são subjetivos e variam entre os pacientes, o que dificulta a identificação precisa das causas que levaram à dor. Além disso, condições dolorosas podem coexistir com outras doenças, dificultando o diagnóstico. Diante das lacunas no diagnóstico e tratamento, novas abordagens para o manejo da dor são necessárias, e nesse contexto a inteligência artificial surge como uma aliada promissora, com potencial para transformar a forma de entendimento, diagnóstico e tratamento da dor.

 

Uma revisão sistemática publicada em março de 2024 analisou diversos tipos de estudos, como estudos observacionais, de coorte, caso-controle e revisões sistemáticas, envolvendo o uso da IA para avaliação subjetiva da dor. Este estudo concluiu que a IA pode usar expressões faciais, sons vocais, relatos, marcadores fisiológicos e registros médicos para criar algoritmos e entender melhor a dor, avaliar mudanças e delinear tratamentos personalizados em várias condições, como dor crônica. Essa metodologia foi capaz de detectar automaticamente a dor com sucesso e precisão. Além disso, o processamento de linguagem natural - interação entre a linguagem humana e os computadores - demonstrou ser eficaz na avaliação da dor e na triagem do paciente, como também, na avaliação da intensidade, localização e duração da dor [7].

 

Também tem sido proposto que a neuromodulação a partir de interfaces cérebro-computador envolvendo IA possui potencial de restaurar funções em pacientes com lesões da medula espinhal e dor crônica associada, e pode, além de diminuir a dor, restaurar déficits motores. Nesse sentido, a IA interpreta os padrões da atividade cerebral para identificar assinaturas neurais da dor e quantificar a sua intensidade, fornece informações atualizadas sobre os sinais ou percepção da dor e aprimora o feedback para uma intervenção individualizada ao paciente [8, 9].

 

A utilização de aplicativos baseados em IA também tem sido considerada estratégia útil na clínica da dor. O aplicativo PainCheck utiliza IA e reconhecimento facial para avaliar a dor remotamente por meio de indicadores de dor, como movimentos musculares faciais, e considera também fatores comportamentais fornecidos pelo paciente ou por seus cuidadores. O sistema calcula uma pontuação geral e alimenta os sistemas de gerenciamento da dor. Os resultados desse aplicativo podem ser significativos, além de serem uma ajuda para pacientes não verbais [10]. O aplicativo selfBACK desenvolvido por pesquisadores permite a elaboração de planos semanais de autogerenciamento da dor, incentivando a atividade física, como os exercícios de força e flexibilidade para pacientes com dor lombar [11]. No mesmo seguimento, Lo e colegas avaliaram os impactos do uso de um aplicativo de celular com IA para fornecer um programa personalizado de exercícios terapêuticos para pacientes com dor crônica nas costas e pescoço [12]. Foi observado um aumento no tempo gasto em exercícios terapêuticos por dia, redução da intensidade da dor e redução no uso de outras intervenções pelos participantes que usaram o aplicativo móvel com IA por mais de 6 meses. A tecnologia das casas inteligentes também está incluída no escopo da IA, e pode detectar, observar e reconhecer comportamentos relacionados à dor no ambiente doméstico. Um estudo publicado em 2023 demonstrou que a tecnologia da casa inteligente pode ser utilizada durante a noite para detectar dor, distúrbios do sono e sintomas de abstinência de opioides [13].

 

A avaliação padrão e precisa dos algoritmos da IA no manejo da dor permite a análise de conjuntos de dados em larga escala, o que permite a identificação de padrões que podem levar a conclusões importantes sobre os mecanismos da dor, fatores de risco e eficácia do tratamento. Além disso, a IA possui outras vantagens, como avaliação mais objetiva da dor e da eficácia terapêutica, economia de tempo, uma abordagem personalizada e detecção precoce para intervenção preventiva. No entanto, as considerações éticas podem limitar o uso desta tecnologia, visto que, à medida que a IA se integra nos serviços de saúde, é necessário garantir privacidade e segurança dos dados dos pacientes [7]. Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas (OMS) destaca a importância de aplicar princípios éticos, para proteger a autonomia, promover bem-estar e promover a IA responsiva e sustentável [14]. Outra possível limitação é o risco de vieses associados aos algoritmos da IA, que podem gerar avaliações de dor imprecisas e tomadas de decisões erradas, sendo fundamental a inclusão de análises de potenciais erros e imprecisões.

 

A natureza complexa da dor é um dos maiores desafios para a terapêutica atual, visto que ela é subjetiva e influenciada por vários fatores não apenas físicos, mas também emocionais, psicológicos e culturais, além de perspectivas pessoais. Nesse contexto, a inteligência artificial representa uma abordagem potencialmente útil no manejo da dor, disponibilizando novas ferramentas para compressão da dor, diagnóstico, proposição de tratamentos e monitorização contínua, abrindo caminho para uma medicina personalizada e eficaz. Entretanto, é importante ressaltar que a IA é um campo em desenvolvimento, sendo os modelos continuamente aperfeiçoados para aprender a partir dos novos dados, a fim de melhorar sua precisão e desempenho, e aumentar a eficácia e a confiabilidade dos sistemas de avaliação da dor baseados em IA [1, 7]. Além disso, é fundamental a compreensão de que essa tecnologia deve ser utilizada como um complemento aos profissionais, e não como substituto, preservando o equilíbrio entre o homem e a máquina.

 

Referências:

[1] Zhang M, Zhu L, Lin SY, et al. Using artificial intelligence to improve pain assessment and pain management: a scoping review. J Am Med Inform Assoc. 2023;30(3):570-587. doi:10.1093/jamia/ocac23.

[2] Matsangidou M, Liampas A, Pittara M, Pattichi CS, Zis P. Machine Learning in Pain Medicine: An Up-To-Date Systematic Review. Pain Ther. 2021;10(2):1067-1084. doi:10.1007/s40122-021-00324-2.

[3] Myszczynska MA, Ojamies PN, Lacoste AMB, et al. Applications of machine learning to diagnosis and treatment of neurodegenerative diseases. Nat Rev Neurol. 2020;16(8):440-456. doi:10.1038/s41582-020-0377-8.

[4] Breivik H, Collett B, Ventafridda V, Cohen R, Gallacher D. Survey of chronic pain in Europe: prevalence, impact on daily life, and treatment. Eur J Pain. 2006;10(4):287-333. doi:10.1016/j.ejpain.2005.06.009.

[5] Van Hecke O, Austin SK, Khan RA, Smith BH, Torrance N. Neuropathic pain in the general population: a systematic review of epidemiological studies [published correction appears in Pain. 2014 Sep;155(9):1907]. Pain. 2014;155(4):654-662. doi:10.1016/j.pain.2013.11.013.

[6] Attal N. Pharmacological treatments of neuropathic pain: The latest recommendations. Rev Neurol (Paris). 2019;175(1-2):46-50. doi:10.1016/j.neurol.2018.08.005.

[7] El-Tallawy SN, Pergolizzi JV, Vasiliu-Feltes I, et al. Incorporation of "Artificial Intelligence" for Objective Pain Assessment: A Comprehensive Review. Pain Ther. 2024;13(3):293-317. doi:10.1007/s40122-024-00584-8.

[8] Opris I, Noga BR, Lebedev MA, Casanova MF. Modern approaches to augmenting the brain functions. In: Contemporary Clinical Neuroscience. Springer International. 2021;57-89. doi:10.1007/978-3-030-54564-2_4.

[9] Bhidayasiri R. The grand challenge at the frontiers of neurotechnology and its emerging clinical applications. Front Neurol. 2024;15:1314477. Published 2024 Jan 17. doi:10.3389/fneur.2024.1314477.

[10] PAINCHEK. PainChek® Universal. Disponível em: https://www.painchek.com/. Acesso em: 02 set. 2024.

[11] Sandal LF, Bach K, Øverås CK, et al. Effectiveness of App-Delivered, Tailored Self-management Support for Adults With Lower Back Pain-Related Disability: A selfBACK Randomized Clinical Trial. JAMA Intern Med. 2021;181(10):1288-1296. doi:10.1001/jamainternmed.2021.4097.

[12] Lo WLA, Lei D, Li L, Huang DF, Tong KF. The Perceived Benefits of an Artificial Intelligence-Embedded Mobile App Implementing Evidence-Based Guidelines for the Self-Management of Chronic Neck and Back Pain: Observational Study. JMIR Mhealth Uhealth. 2018;6(11):e198. Published 2018 Nov 26. doi:10.2196/mhealth.8127.

[13] Wilson M, Fritz R, Finlay M, Cook DJ. Piloting Smart Home Sensors to Detect Overnight Respiratory and Withdrawal Symptoms in Adults Prescribed Opioids. Pain Manag Nurs. 2023;24(1):4-11. doi:10.1016/j.pmn.2022.08.011.

[14] ORGANIZATION, World Health. WHO calls for safe and ethical AI for health. Disponível em: https://www.who.int/news/item/16-05-2023-who-calls-for-safe-and-ethical-ai-for-health. Acesso em: 02 set. 2024.


* Aluna de mestrado - UFBA